A MORTE IGUALA A TODOS...

 

  • FINADOS 
     
    Nascer é uma graça, um encanto. Deixamos o útero quentinho, confortável, pleno de proteção - onde o bom durou pouco - e ganhamos o mundo onde tudo é novo - que durará incomparavelmente muito mais tempo. Na realidade, o mundo também é um útero gigante, no qual teremos a mãe que nos gerou, mas nem sempre ela estará próxima de nós. O mundo oferecerá perigos que não conhecíamos quando o útero materno nos abraçava. Um dia a mãe se encantará para sempre. O mundo é essa máquina sem sentimentos, mas é o único útero que restou para nos abraçar.
     
    Dia desses estive no cemitério e constatei uns detalhes que normalmente passam despercebidos. Vi o túmulo de um poderoso político enterrado ao lado de seu maior inimigo (ambos morreram sem se falar). Desviavam de calçada quando se viam. Com mais alguns passos li o epitáfio triste de um casal conhecido na região: uma senhora muito poderosa, falecida de um acidente grave e seu segundo marido descansavam para sempre. Logo atrás de seu túmulo estava sepultado o primeiro marido de tal senhora. O relacionamento com ele não prosperou por ser violento. Em vida, foram grandes inimigos.
     
    Um dos túmulos mais diferentes do campo santo era de um ex-prefeito. Foi amante de uma famosa prostituta, dona de um rico bordel. Parece que toda a beleza do mundo havia presenteado essa mulher. A esposa legítima comeu o pão que o diabo amassou no meio dessa história. Separaram-se já idosos e com netos. Foi um escândalo na pacata cidade que se alimentava de fofocas. A esposa foi morar com o filho mais novo em outro município. Por ironia do destino, o túmulo do seu ex-marido ficava ao lado do túmulo de sua amante. Terminaram juntos. Juntos e iguais.
     
    Logo à esquerda, estava a lápide de uma famosa miss, sepultada ao lado de uma vizinha de infância. Ambas passaram a vida trocando farpas. Eram duas das mais belas mulheres da cidade. Morreram idosas, mas como inimigas ferrenhas devido às peças da vaidade. Nunca tomaram uma xícara de café temperado a pão com manteiga, jogando conversa fora… nunca entre elas houve um encontro para um chá, um café, um almoço...
     
    No centro do “campo santo” jazia um mausoléu imponente... chamava a atenção (tinha até lustre e peças de porcelana). Nele “descansava” um dos fazendeiros mais ricos do município. Estava cercado por outros falecidos cheios de brasões, mas ferrenhos inimigos quando andavam pela terra (brigavam por divisas territoriais, gado, disputa de prêmios e outras coisas mais).
     
    Próximo deles, jazia a cripta de um belo jovem, assassinado há muitos anos por um desafeto. O assassino estava sepultado à sua direita, pois se matou após cometer a fatalidade. Embora a família não admitia, populares davam conta de que ele deu cabo à vida do desafeto por cobiçar a sua beleza, cujas moças tanto enaltecem. O assassino também foi um belo homem, mas se perdeu em sua síndrome de madrasta de Branca de Neve.
     
    A imponência de um mausoléu frontal também roubava a cena. A réplica de “Pieta” contrastava com a realidade do morto, homem que não teve piedade nem da mãe. Era um poderoso milionário. Contavam de uma boca à outra que em vida ele mandava açoitar qualquer pessoa que adentrasse as suas terras. Era avaro. Não dava esmola nem para remédio. Foi famoso por suas perversidades. Seu túmulo se divisava com o seu maior opositor, um homem que conseguiu enfrentá-lo algumas vezes, quando este oprimia alguém. Isso deu origem a dois inimigos ferrenhos.
     
    Num canto mais descuidado, exatamente na raia que divisava a classe abastada da humilde, jazia a sepultura tosca do “Seu Tuca”, um senhorzinho que passou pela vida sem ser visto por quase ninguém. Morreu igual nasceu. Seu túmulo era uma espécie de leirão com restos de velas, restos de coroas, restos de santos de gesso quebrados. Justamente ao lado dele estava erguido uma cripta que mais parecia uma capela, na qual dormia um defunto que fora milionário, prepotente, soberbo, preconceituoso (aqui para nós, detestava pobre). Se antes de sua morte soubesse que seria vizinho de "Seu Tuca", teria comprado um cemitério pessoal - só para ele.
     
    E assim fui me dando conta desse rosário de mortos que, quando vivos, alimentam incontáveis diferenças. Mas, ali, mortinhos da Silva, estavam lado a lado, como se tivessem sido grandes amigos durante a vida. Vivos, queriam distância. Mortos, tornaram-se vizinhos.
     
    Não havia hostilidades no cemitério. Não havia mais diferença entre eles, exceto as alvenarias, os mármores, os bronzes, os leirões – fruto das vaidades dos que ficaram. Debaixo da terra, tudo era igual...Os homens que eram tudo, viraram nada, e os que já eram nada, tornaram-se iguais aos que eram tudo.
     
    Interessante a questão das diferenças econômicas, culturais, educacionais etc. A política, por exemplo, separa boa parte das pessoas, tornando-as inimigas ferrenhas. As exceções são raras. Muitas vezes os protagonistas até se davam bem antes de seus posicionamentos políticos partidários, se admiravam, se respeitavam, mas justamente a política - que deveria fazer o contrário - os separou. Foi o bastante para um dizer para o outro: “você pensa diferente de mim, então fique lá que eu fico cá”.
     
    Algumas pessoas, principalmente em lugares interioranos, conservam um contorno mais denso desses desenhos de “malquerença”. Há casos até de se evitar ambientes onde o opositor está. E quando se busca o motivo – vejam que besteira: POLÍTICA.
     
    O cemitério descortinou uma variedade de tipos humanos inimigos, ou que se antipatizavam, tolerando-se apenas em enterros de conhecidos. A grande ironia é que no final do final, finaram juntinhos. Creio que se eles ressuscitassem, ficariam fulos da vida. Diriam: “Por que me enterrou ao lado desse diabo?”
     
    Mas isso é só imaginação de gente viva. Na realidade não há mais como propor mudança de túmulo, reclamar propriedade, discriminar pobres, brigar por herança, exigir o que quer que seja. Não tinha mais sentido diferenças políticas, ciúmes, iras... até mesmo não ter dado esmola não fazia mais sentido… Estavam mortos!
     
    Analisando, percebi que a morte, sim, é poderosa. Aliás, é prodigiosa também. Ela iguala. Você já viu um esqueleto humano diferente do outro? A morte, como num passe de mágica, iguala tudo por debaixo dos túmulos que porventura insistirem em defender classes sociais. De nada adiantou escarrar títulos acadêmicos como se fosse mais importante até mesmo que o verdadeiro conhecimento, ou que significasse o maior valor humano. É em vão. De nada serviu dizer que possuía dez mil cabeças de gado… acabou!
     
    Você pode até detestar ou temer a morte, mas um dia ela será sua eterna amiga, e o fará igual a todos. A morte, só ela, possui essa façanha. Para quem veio de um útero quentinho, confortável, cheio de amor, e desfrutou a graça de viver décadas, finalizar-se num buraco frio de sete palmos, tapado por terra e pedregulho, ou uma caixa de cimento cheirando a mofo antigo - repleta de baratas, ratos, escorpiões - partimos em estado precário.
     
    Se, diferente das delícias do útero-materno, o útero-mundo foi ou não ruim, é bom lembrar que o útero-túmulo é caos. Mas, também, de que importa? Vale a pena estar aqui dificultando tudo? Não seria melhor dedicarmos a nossa vida a bem do próximo  ? L.C.F. Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), membro da Comissão Norte Rio-Grandense de Folclore 

HALLOWEEN: ENTRE ABÓBORAS E CURUPIRA...

 

ARTIGO DE OPINIÃO

Confesso que sempre me espanta essa pressa de as escolas e instituições culturais – salvas as devidas exceções - se vestir de zumbi, de pendurar morcegos de plástico e de sair às ruas gritando “doces ou travessuras” como se o Brasil tivesse sido colonizado por druidas ou vampiros irlandeses. Não, não tenho nada contra o Halloween. Lá, onde nasceu, é uma expressão legítima da cultura de um povo. O que discordo é o modo como o importamos, como quem troca o chão por um carpete estrangeiro e passa a acreditar que o tapete é mais bonito que o próprio solo.

Eu, que há anos participo da Comissão Estadual de Folclore, não posso silenciar diante dessa substituição quase silenciosa, porém contínua, do nosso imaginário popular por fantasias enlatadas. Não o digo por moralismo, nem por zelo religioso, até porque sou desprendido dessas convenções de altar e púlpito. O que me move é a inquietação de ver nossas crianças saberem mais sobre o Conde Drácula do que sobre o Negrinho do Pastoreio, mais sobre abóboras com velas do que sobre o Bumba Meu Boi.

Talvez me dirão “Ora! Mas tudo do Brasil veio de Fora!” Alto lá. Temos 500 anos (refiro-me a nós, colonizadores; e retiro os povos indígenas dessa, afinal estão aqui há milênios. Isso é outra história, inclusive os mesmos têm bibliotecas infindáveis de cultura popular). Temos 500 anos e a nossa cultura popular, embora muito dela, como exemplo, veio nas caravelas que trouxeram o Romanceiro Ibérico. Mas são 500 anos de cultura popular brasileira!!! Temos bibliotecas inteiras de Folclore puramente nacional. Por qual razão, diante de um celeiro riquíssimo e extraordinário de cultura popular, damos um salto tão longe para buscar abóboras, bruxas, monstros, pessoas esfaqueadas e sangrando, e não fazemos esforço algum para, por exemplo, enaltecer elementos da nossa cultura?

Não diga que as crianças não gostam. Não digam que os professores não gostam. Não digam que os gestores não gostam. Não digam que os representantes de instituições não gostam. AS COISAS SÃO CONSTRUÍDAS, É SÓ COMEÇAR - NATURALMENTE - SEM IMPOSIÇÃO.

Para mim é deplorável constatar que estão deixando de ensinar às crianças a sua brasilidade. E elas não terão culpa quando, no futuro, por exemplo, em estando em outro país, alguém lhe disser: "fale sobre a cultura popular brasileira" e ela ficar com cara de abóbora!

Essas pessoas precisam acordar desse equívoco, pois da forma como fazem, negando à própria essência, negando a própria identidade, está-se educando as crianças e os jovens a amar o que vem de fora e desprezar a si. Isso não é bom, pois lá fora ninguém faz isso, pelo contrário, são bairristas.

As escolas - salvo honrosas exceções -, parecem competir entre si para ver quem faz o Halloween mais “instagramável”. E, curiosamente, as mesmas escolas que afirmam “valorizar a cultura brasileira” (Como orienta a própria Constituição Brasileira) esquecem-se de marcar no calendário o Dia do Saci, ou de convidar os mestres da cultura popular a conversar com os alunos. É como se o Saci tivesse sido derrotado pelo Batman, e o mais triste: com o aplauso da plateia.

Instituições educativas e culturais têm, sim, o dever de promover o intercâmbio entre culturas, mas esse dever não pode ser confundido com a abdicação de nossa própria identidade. O respeito ao outro não exige renúncia de si. Antes de vestir as crianças de fantasmas, deveríamos ensiná-las a reconhecer o som das maracás, o riso do Curupira, a astúcia da Iara, o eco das ladainhas de nosso interior, o batuque dos quilombos...

O Halloween pode - e deve - existir, desde que não devore o que é nosso. Porque cultura não se impõe, se planta. E a nossa, tão rica, não precisa de importação, mas de atenção e exaltação. É brasilidade. O patriotismo tão falado também perpassa por isso. O que me entristece não é o fato de celebrarem o Halloween; é o fato de esquecerem o Folclore Brasileiro - que, aliás, é bem mais vivo, colorido e simbólico do que qualquer abóbora oca iluminada por dentro. A lenda do Fogo Batatão é muito mais alegre do que uma bruxa de nariz adunco e boca murcha voando de vassoura...

Não sou contra o Halloween. Sou a favor do Brasil. E é a partir dessa convicção que escrevo, não como quem ergue muros, mas como quem tenta resgatar pontes. Pontes que liguem as gerações aos seus mitos, aos seus mestres, às suas memórias. Onde estão nossos mestres? Não estão mortos. Talvez estão do seu lado, mas, quem sabe derrotado ou desmotivado por ver a injustiça de buscar o riacho mesmo tendo o mar ao lado. Esses mestres, se provocados, dão espetáculos!

REPITO: Quer comemorar o Halloween? Comemore! Mas antes, conheça o seu país. Conheça os seus valores, conheça a sua cultura e comemore com a mesma ênfase!

O que somos sem o que nos fez ser? Talvez apenas personagens de um enredo estrangeiro, recitando falas que não nos pertencem. L.C.F. (Membro da Comissão Norte-Rio-Grandense de Folclore).

FESTIVAL AS QUATRO ESTAÇÕES - OS BASTIDORES DE UM ESPETÁCULO...

As imagens a seguir traduzem a cronologia da construção de cenários e elementos cênicos - e instalação - para o Festival As Quatro Estações promovido pela Prefeitura Municipal de Parnamirim, sob os cuidados da Secretaria Municipal de Cultura - SEMUC. Como cenógrafo, priorizo trabalhar com produtos recicláveis: garrafas PET, pneus, madeira de demolição, sacos de cimento, papelão, tampinhas de garrafa e afins... Entendo que, talvez aparentemente solitário, estou concretamente ajudando o meu planeta. Tenho convicção disso. É a minha missão...

DESMONTANDO APÓS O ESPETÁCULO

A confecção do todo demanda uma equipe considerável, tendo em vista as dimensões dos cenários e dos espaços a serem cenarizados...





POUCOS MINUTOS ANTES DO ESPETÁCULO














MONTANDO OS CENÁRUOS E INSTALANDO OS ELEMENTOS CÊNICOS



























DIA SEGUINTE, APÓS O ESPETÁCULO: MUITA CHUVA NA MADRUGADA E VENTO ATÍPICO, AINDA BEM QUE FOI DEPOIS...


CONSTRUÇÃO DOS ELEMENTOS CÊNICOS...






















































































































A MORTE IGUALA A TODOS...

  FINADOS    Nascer é uma graça, um encanto. Deixamos o útero quentinho, confortável, pleno de proteção - onde o bom durou pouco - e ganhamo...