HOJE, UMA GRANDE NOTÍCIA SOBRE O CASARÃO DE AMÉLIA DUARTE MACHADO...

 

Casarão de Amélia Duarte Machado

Nessa tarde morna de 27 de agosto, mês do folclore, vivi momentos emocionantes. Visitei o ancestral casarão da Fazenda Pitimbu, em Parnamirim, vivenciei uma experiência ímpar, graduada pela tendência a que o tempo nos convida: a de refletir sobre preservação de patrimônio histórico, memória, raízes e legado. Ali, no pátio empoeirado por lembranças, senti o sopro delicado da história, enquanto contemplava o imponente solar, guardião silencioso de múltiplas narrativas. Estávamos eu, representando o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ao lado da ilustre vereadora Rárika Bastos, seu diligente assessor Erysson, representantes da construtora Ecocil, funcionários da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo - SEMUR (arquiteta e urbanista Alyne da Cruz Santos de Lima e Jeane Evangelista Bezerra da Silva, desenhista e Historiadora) e, de forma ainda mais comovente, o senhor Humberto Mercucci - filho da emblemática Amélia Duarte Machado (1881-1981) -, sua neta Amélia e alguns bisnetos.


A visita havia sido gerada por minha Carta de Apelo enviada a todos os vereadores parnamirinenses no dia 13 de agosto último, documento este motivado por um telefonema de uma moradora do Jardim Planalto, cuja mãe foi empregada de Amélia Machado e viveu décadas no assobradado casarão que ainda resiste intacto. Essa senhora, que conheço a um bom tempo, me alertou para o risco iminente: uma empresa adquirira a fazenda e encontra-se fazendo intervenções na área. Ela temia que o casarão carregado de valorosa história pudesse ser demolido. 

Esse imóvel histórico simboliza muito mais do que um prédio antigo - representa a memória da família que doou parte das terras para a implantação da Base Aérea Norte-Americana, hoje Base Aérea de Natal. A magnitude dessa ação é pouco reconhecida, mas fundamental para entender a formação territorial de Parnamirim, cuja origem se entrelaça com as doações dos Machado. O casarão é a construção civil mais antiga e intacta de Parnamirim. O resto - excetuando o que está na área militar, foi demolido.

Nesse contexto, abracei a causa enviando à Casa Legislativa de Parnamirim uma carta de apelo, expondo o fato, sintetizando a significação desse precioso casarão, e pedindo intervenção urgente,  ao que a vereadora Rárika Bastos reagiu prontamente, engajando-se com maestria, articulou e mobilizou instituições municipais e dialogou com a Ecocil, que, surpreendentemente, já guardava intenção de preservar o casarão, embora ainda sem projeto para o mesmo.

Ao chegar, todos nos reunimos sob a sombra das inúmeras mangueiras: Rárika fez as devidas apresentações e apresentamo-nos mutuamente. Nesse instante, agradeci e parabenizei a todos, recordando textos que produzi sobre Amélia Duarte Machado e o espetáculo "Nísia Floresta Brasileiras Augustas" que escrevi e que enaltece o pioneirismo dessa mulher tão injustamente deturpada por uma maldosa lenda que não gosto de contá-la. Em seguida, a família gentilmente nos conduziu por pontos fascinantes da propriedade - o casarão majestoso, ruínas do engenho e da casa de farinha, e um engenhoso “bunker” que Amélia mandara construir durante a Segunda Guerra Mundial. Esses refúgios lembravam-nos do contexto bélico, quando Natal servia como ponto estratégico para aeronaves norte-americanas que chegavam e saiam com destino à África, mediante acordo entre os presidentes Roosevelt e Vargas, em que muitas famílias locais construíam bunkers precavendo-se junto às bases militares americanas.

Naquele cenário, o silêncio foi quebrado apenas pelo canto dos pássaros e pelos relatos entusiasmados e encantadores do senhor Humberto Mercucci e de sua filha Amélia. Humberto, com alegria contagiante, evocou a pureza cristalina do rio Pitimbu da sua mocidade, capaz de tornar visível uma agulha lançada em suas águas. Compartilhou, com nostalgia, o intenso cultivo de melado, rapadura e açúcar mascavo ali produzido. Amélia, a neta, emocionada, recordou com carinho os tempos de infância embalados naquele local paradisíaco, lembrando os “bolos de farinha” quentinhos com que se deliciavam à mesa da casa de farinha junto a outras crianças. Esses relatos nos permitiram perceber o quanto a maldade humana e mal intencionada sepulta histórias doces como a de Amélia Duarte Machado, pois Amélia, a neta, fala da avó com "suspiros poéticos e saudades", tendo em vista a amorosidade da avó.

Também nos acompanhou um homem cuja infância se entrelaça com a própria fazenda - seus pais foram caseiros. “Essa fazenda é parte da minha vida”, disse-me, comovido. “Sr. Alberto Mercucci nos ajudou muito — até casa nos deu; nem consigo medir o bem que ele fez por nós.” Foi esse senhor quem nos abriu o casarão: os corredores revelaram belas estampas de ladrilho hidráulico, janelas de madeira de lei, telhado muito alto e alguns móveis de época que quase sussurravam o passado. São peças que precisam ser restauradas mediante um patrocínio, pois Humberto revelou que o casarão já foi arrombado algumas vezes e levaram muita coisa. No último furto, levaram toda a fiação elétrica do imóvel.



O sr. Humberto Mercucci abriu um armário e me contou que Amélia Machado guardava ali os seus LP’s. “Era lotado de discos... parece que estou vendo ela pegando algum para ouvir”, contou. Essa experiência, para mim, foi como estar no passado. É indescritível. A forma como o filho fala da mãe, traduz muito. Percebi que Amélia Duarte Machado não foi rica apenas de bens materiais, mas de amor, e que isso foi repassado a eles de maneira abundante, pois notava-se a amabilidade de todos, inclusive dos bisnetos. Todos acolhedores.

O ponto mais reconfortante do dia foi saber que a Ecocil, longe de demolir o casarão, já trazia intenção de preservá-lo. Nossa visita lançou uma semente promissora: há entusiasmo e pluralidade de ideias para projetos museológicos e memorialistas que potencialmente revitalizarão aquele espaço histórico, em parcerias envolvendo profissionais diversos. E com toda certeza, estará fortemente ligada a ele a vereadora Rárika Bastos. Neste momento, sou impulsionado a agradecer imensamente à vereadora Rárika Bastos - única autoridade a responder à minha Carta de Apelo, prontamente. Parabenizo sua sensatez e o olhar visionário sobre o patrimônio histórico de Parnamirim. Não tenho palavras para agradecê-la.

Também deixo o registro sobre a importância de as instituições públicas e até mesmo privadas estarem sempre de mãos dadas em causas a favor do bem comum, ouvindo a sociedade, seus anseios, suas reivindicações e sugestões.

Encerramos a visita com fotografias em grupo. Contudo, a neta, com delicadeza, me pediu que não publicasse fotografias onde ela aparece, pois valoriza demais sua privacidade, inclusive nunca teve redes sociais, e mencionou que, no recente lançamento do livro “Viúva Machado: a grandeza de uma mulher”, de Elzinha Bezerra Cirne, ocorrido na Pinacoteca Potiguar, participou do evento, mas declinou de qualquer registro fotográfico, tendo feito esse mesmo pedido à autora. Respeitei sua solicitude, compreendendo que sua escolha deve ser honrada. Às 16 horas despedimo-nos, e constatei que, às 17h em ponto, chegava em casa com o sentimento de quem vivenciou um dia singular. Conforme disse, pessoalmente ao sr. Humberto e à sua neta Amélia “Esse dia foi um presente”. L.C.FREIRE, Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

UMA BREVE SÍNTESE SOBRE O ASPECTO VISINÁRIO DE AMÉLIA DUARTE MACHADO

Amélia Duarte Machado, nascida em Mossoró em 1881, assumiu posição de comando após a prematura morte do marido Manoel em 1934, tornando-se pioneira no empreendedorismo feminino potiguar - uma verdadeira pioneira empresarial em momento em que, nascia o mito da “Viúva Machado”, alimentado por preconceito e medo, mas que mascarou sua coragem real. Sua visão estratégica se manifestou em inúmeros empreendimentos: administrou a Despensa Natalense, sócia de um império de importação, exportação e comércio diversificado.

Durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se fornecedora da Base Aérea de Parnamirim, adaptando seus negócios às demandas da época. Doou terras que se tornaram fundamentais para a aviação e expansão urbana: a base aérea, bairros como Morro Branco, Nova Descoberta, áreas como Petrópolis e ainda estruturas como o Parque Aristófanes Fernandes e instituições como o Colégio Atheneu. Manoel, seu esposo, também foi visionário em investir em terrenos que, hoje, definem a geografia urbana da Região Metropolitana – mas foi Amélia quem, com firmeza e visão, deu continuidade ao legado. Além disso, a lenda terrível, que prefiro sempre não contá-la, é fruto do machismo e da sociedade patriarcal que não tolerava a figura de uma mulher no comando. Cabe a toda pessoa esclarecida, resgatar a verdadeira dimensão dessa mulher - sua grandeza, humildade e contribuição extraordinária à cidade, longe das sombras das lendas. 

 

Sr. Humberto Mercucci e sua neta


A visita contou com diversos seguranças da propriedade




Antigas camas de mola, intactas, peças museológicas a serem preservadas para um futuro museu.




Escrivaninha usada por Amélia Machado

O filho, Humberto, abre o armário e conta sobre os LP's da mãe.







A fazenda foi esquadrinhada por nós em seus detalhes mais significativos.

O sr. Humberto Mercucci disse que essa tamarineira tem mais de 200 anos.



Eu, Rárica e o sr. Humberto Mercucci (A pedido da filha dele, Amélia, a excluí da fotografia).







Nessa imagem vemos uma bisneta de Amélia Duarte Machado (de camiseta branca), o bisneto (de camisa rosa) e a bisneta, de camiseta preta, abraçada pela avó.



Em todo momento uma parada para aquela aula magna e única, protagonizada pelo filho Humberto Mercucci.



O caseiro atual que vive na localidade desde que nasceu


Do meio do mato a chaminé do engenho vai se revelando




As grossas paredes resistem, intactas. Ao lado, bisnetos de Amélia Duarte Machado.




Cada elemento que se revelava entre a mata, uma história de que viveu ao lado de Amélia Duarte Machado



Há uma informação de que a fazenda guarda um túnel e que há um 'bunker',  o que pode ser esse.

A chaminé resiste, imponente, intacta.




Uma peça de ferro que segurava o telhado do barracão.








 Abaixo: link do documento que enviei a todos os vereadores de Parnamirim no dia 13.8.2025:

NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE: CARTA DE APELO ÀS AUTORIDADES COMPETENTES DE PARNAMIRIM, NATAL E INSTITUIÇÕES CULTURAIS E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Texto que escrevi sobre Amélia Duarte Machado no dia 7.8.25:

NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE: A DESCONSTRUÇÃO DO SILENCIAMENTO: AMÉLIA DUARTE MACHADO...

Texto que escrevi sobre Amélia Duarte Machado no dia 12.11. 2009:


Texto que escrevi sobre Amélia Duarte Machado no dia 24.5.2023:

Carta e Apelo aos vereadores de Parnamirim (a mesma acima), escrita em março de 2025 no blog PARNAMIRIM: TRAMPOLIM PARA A VITÓRIA:


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