Hoje, a rotina da Secretaria Municipal de Cultura de Parnamirim foi inesperadamente transformada. Ninguém imaginava que aquele início de tarde de trabalho terminaria com grande emoção, reflexões e um profundo silêncio de alma.
O secretário de Cultura, Tiago Cartaxo - entendendo que a rotina muitas vezes maçante do trabalho precisa ser quebrada com iniciativas diferenciadas a bem da socialização e da humanização dos funcionários (conforme palavras dele) - ofertou um presente valioso a todos nós. Desse modo, preparou uma surpresa para os servidores: uma palestra com o escritor e publicitário Newton Albuquerque, um homem cuja escolha errada lhe permitiu conhecer o inferno, mas que se libertou e voltou para contar que foi salvo pela Literatura.
Newton começou sua fala com serenidade, mas bastaram poucos minutos para que todos percebessem que tratava-se de uma história diferente de tudo o que já haviam ouvido, pelo menos foi o que percebi. Em 2008, esse jovem paulista, filho de uma família honesta e afetuosa, com diploma em Publicidade e uma vida comum - trabalho, namoro, rotina - recebeu uma proposta tentadora. Transportar uma grande carga de drogas de São Paulo para o Nordeste. Ele sabia que era errado, mas que, seduzido pelo montante, “ignorou o crime” por um instante. E esse único instante de fraqueza mudaria para sempre o rumo da sua vida, pois, do céu, caiu no inferno.
Preso em Genipabu, Newton foi classificado como um criminoso de alta periculosidade. De um dia para o outro, deixou de ser “um bom rapaz” que sempre foi para se tornar manchete de jornal como “traficante perigoso” em todo o Brasil. Foi conduzido à Penitenciária Federal de Mossoró e, em seguida, transferido para Alcaçuz, em Nísia Floresta - um dos presídios mais temidos do país. Ali, conheceu o horror em todas as suas formas. Viu brigas, mortes, ameaças, desespero. Assistiu à desumanização cotidiana e sobreviveu ao massacre de 2017, quando o pátio virou um campo de guerra e cabeças eram arrancadas diante dos olhos dos sobreviventes. Mas foi
justamente nesse solo de sangue que brotou um escritor.
Certo
dia, já quase sem forças, achando que morreria devido à clausura e o terror que
passou a se deparar, Newton começou a pedir à delegada da penitenciária que lhe
arranjasse papel e caneta. Era uma mulher dura e fria. O pedido se repetiu
tantas vezes que ela, irritada, foi à cela para saber o que de fato ele queria. “Quero apenas escrever”, respondeu ele. Talvez impactada pelo inusitado
pedido, ela lhe deu cinco canetas e uma pequena resma de papel. A alegria foi
indescritível - e, sem saber -, aquela mulher se somou a uma força crescente que mudaria a
sua vida.
Quando,
dias depois, ela o chamou novamente, desconfiada que ele usava o papel para
enrolar baseados e pudesse ter vendido as canetas, quis testá-lo. Mas, para sua
surpresa, encontrou Newton com cem laudas escritas à mão - frente e verso - e
as cinco canetas totalmente secas. A surpresa foi tamanha que ela lhe deu um
violão que, por inaptidão dele, ficou esquecido na cela. Mas, a partir dali, a
delegada durona passou a acreditar em Newton.
Dentro de uma cela feita para dez presidiários, ele convivia com 39 homens. Para conseguir se salvar, assim como Dostoiévsky, autor russo que também conhecera o cárcere e ali descobrira a humanidade que resiste, fez da escrita a sua religião. Newton sentiu que a escrita era a sua forma de respirar em meio ao caos.
Dentro
do presídio, escreveu três livros, proferiu inúmeras palestras para outros
detentos e pregava a força da educação e da fé na transformação. Com o tempo,
ganhou respeito entre presos e agentes, tornou-se ponte entre mundos. Era o
único que podia circular entre diferentes alas, dos assassinos frios aos jovens
que, como ele, tinham feito uma única escolha errada e caído num inferno onde muitos eram demônios.
Um dos episódios mais comoventes que Newton contou em sua palestra foi o do jovem de 18 anos, condenado por latrocínio, que dividia a cama com ele. O rapaz nunca recebera uma visita. Seu pai lhe pediu que aos seis anos de idade colocasse um cigarro de maconha na boca, e quando viu os pais de Newton chegarem ao presídio e expressarem abraço e carinho, chorou o dia inteiro.
Daquela convivência nasceu algo improvável: um laço de afeto e compaixão. Foi com aquele menino que Newton descobriu “a terapia do abraço” e começou a ensinar aos presos que um simples abraço é capaz de curar, de pacificar e de devolver o sentimento de humanidade que o cárcere tenta apagar.
Newton permaneceu dez anos preso, sendo um ano em Mossoró e nove em Alcaçuz. O sistema previa que ele só deixaria a prisão em 2025. No entanto, o bom comportamento, a disciplina e o impacto de sua profusão literária fizeram os juízes reconsiderarem. Ganhou a liberdade provisória e, pouco tempo depois, a liberdade total. Pagou pelo erro, mas pagou escrevendo, ensinando e transformando.
Em liberdade, publicou o livro A Escolha Errada - Construindo Futuros Brilhantes, seguido por outros títulos como O Pequeno Gênio, Anjos do Parque, Playboys do Crime e Quatro Estações. Sua autobiografia foi transformada em história em quadrinhos, que hoje circula em escolas e projetos sociais.
Tornou-se palestrante requisitado, inspirando jovens, professores e agentes públicos a repensarem o poder da educação e da segunda chance. Em reconhecimento, recebeu o título de Cidadão Natalense, e sua trajetória passou a ser estudada como um caso real de ressocialização pela cultura. Hoje ele dá palestras em todo o Brasil e tornou-se amigo de policiais, juízes e promotores. Recentemente participou de laboratórios com cineastas, pois seu livro vai se tornar uma minissérie. É simplesmente impressionante o poder da Literatura.
Na palestra de hoje, na Secretaria de Cultura de Parnamirim, Newton foi aplaudido diversas vezes. Durante uma hora nos permitiu pensar e rever os conceitos. Disse que sente um entusiasmo em cumprir essa espécie de missão, pois vê corriqueiramente incontáveis transformações, inclusive uma detenta que, inspirada nele, tornou-se escritora.
Newton deixou claro que as pessoas precisam de oportunidades, e que não apenas a literatura, mas toda área do conhecimento é capaz de transformar pessoas.
“Foi a literatura que me salvou”, afirmou com a voz embargada. E ninguém duvidou.
Ao final, muitos servidores se levantaram e foram
abraçá-lo. Newton sorriu e disse que aquele gesto simples, que aprendera na
prisão, é a coisa mais poderosa do mundo. “O abraço cura”, repetiu. E todos
entenderam.
Thiago
Cartaxo, reforçando a fala de Newton sobre o poder grandioso da Arte, encerrou
com o sorteio de quatro livros e, para minha surpresa e alegria, fui um dos
contemplados. Parabenizo-o pela preciosidade do evento, assim como me curvo ao
Newton por sua grandeza humana.
A
palestra não foi apenas uma narrativa de superação, mas uma lição de
humanidade. A história de Newton Albuquerque confirma que a compaixão e a arte
são capazes de reconstruir um ser humano, mesmo aquele que já perdeu tudo. SUA HISTÓRIA ENSINA A TODOS, INCLUSIVE OS HOMENS E MULHERES QUE FAZEM O JUDICIÁRIO BRASILEIRO. Ele não
é o ex-presidiário. É o escritor que
- diferente da Fênix - renasceu das grades. Um testemunho vivo de que a literatura salva, e que, quando
a alma decide se reerguer - assim como fez Edmond Dantès e o Abade Faria -
nenhum cárcere é capaz de deter homem algum...


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