JUDITE AGUIAR: A PIONEIRA DA EDUCAÇÃO EM TERRAS DE AREIA E CORAGEM...

Em tempos de dificuldades imensas e horizontes estreitos, surgiu uma mulher que desbravou caminhos impensáveis para sua época, transformando não apenas sua vida, mas toda uma comunidade. Judite Aguiar, nome que hoje ecoa como símbolo da educação em Parnamirim, nasceu numa família marcada pela luta e pela resiliência.

Segundo relatos de Eulina Aguiar, sua irmã, e guardiã das memórias familiares, a saga começa com o patriarca Luís Vitorino de Aguiar, homem honrado que herdou um engenho de rapadura e mel de cana em São José de Mipibu. O engenho prosperava, mas a sorte mudou quando Luís, por sua generosidade em ser fiador de muitos, teve de arcar com dívidas alheias e perdeu o que era seu por direito. Sem o engenho, o sustento da família ficou precário, limitando-se à agricultura em Japecanga — onde a terra não garantia fartura e, muitas vezes, a fome rondava a casa.

Foi em meio a esse cenário difícil que Judite, ainda jovem, teve uma visão que ultrapassava as dificuldades da época: “precisamos buscar um futuro melhor”, disse à família. Com a concordância do pai, mudaram-se para Parnamirim, um lugar quase deserto, um “tabuleiro de muita mata e areia”, como descreveu a irmã Raimunda Nonata. Ali, o trabalho duro se impunha: a mãe lavava roupas no rio Pitimbu, enquanto as filhas ajudavam para garantir o sustento. A vida era dura, as condições, escassas. E, no entanto, Judite não parava de sonhar.

"Quero ser professora!, ela dizia sempre, conforme destacou Eulina..

Parnamirim, à época, era apenas um distrito humilde e esquecido pelas autoridades, sem infraestrutura nem oportunidades. Judite já mostrava seu brilho na escola local, mas sabia que precisaria ir além para alcançar seu objetivo. Aos quinze anos, aceitou o convite do tio Joaquim Ferreira de Aguiar, tenente do Exército, e partiu para o Rio de Janeiro, deixando para trás a família e a vida simples em Passagem de Areia.

A pequena Eulina, com apenas quatro anos, lembra-se vívida do dia em que viu Judite embarcar naquele navio, um momento carregado de esperança e despedida. Judite lutou e estudou no Rio de Janeiro, enfrentando o desafio de estar longe, em uma capital grandiosa e distante, até conquistar seu diploma de professora.

Com a missão cumprida, retornou ao seu solo potiguar, descendo o litoral de navio até Recife, e depois de trem até Natal, chegando enfim a Passagem de Areia. O encontro com a família foi uma festa — a educadora voltava para semear conhecimento em terras ainda rudes.

Mas Judite não se contentou em apenas chegar; ela queria atuar. Munida do diploma, sem ajuda de ninguém, mas focada no seu ideal, foi até Natal, decidida a falar com o prefeito. Ela o conhecia de 'ouvir dizer', e diziam que se tratava de um prefeito diferenciado e muito querido, que vivia no meio do povo, gostava de folclore, de artes, esportes. Onde batesse uma lata, lá estava ele. Encontrou em Djalma Maranhão, líder comunista da cidade, um interlocutor aberto. Impressionado com a determinação da jovem professora, o prefeito nomeou-a para lecionar em Passagem de Areia — sua comunidade, sua gente, seu sonho.

Assim, Judite Aguiar dedicou sua vida inteira à educação, enfrentando a escassez de recursos, a resistência da época e a dureza da vida, mas nunca desistindo. Foi professora, formadora de gerações, exemplo de coragem e perseverança. Aos 90 anos, partiu, deixando um legado imortal: seu nome batiza a escola que hoje abriga crianças e jovens, herdeiros do conhecimento e do pioneirismo daquela que abriu caminhos onde antes havia apenas areia e mata.

Judite Aguiar não foi só uma professora — foi uma luta viva, uma voz que desbravou o desconhecido, um farol que ilumina o futuro de muitos. Sua história é a história da educação como resistência e transformação. (Este texto foi feito no dia 27 de junho de 2019, quando entrevistei a senhora Eulina).

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