ESTRADA DE FERRO HISTÓRICO LITERÁRIA, UM PROJETO PARA O FUTURO

 

Já observou que a memória histórica ferroviária de Parnamirim é esquecida? O município é contemplado pela estrada de ferro desde 1881, mas nada lembra a história desse patrimônio. Não existe museu, memorial, galeria. Nada lembra a “The Great Western Of Brazil Railway Company Limited”...

Pois bem, acostumado a embarcar no VLT da Ribeira desde 2014, me familiarizei a um cenário que me causa grande desconforto. Refiro-me a uma espécie de 'cemitério de vagões' no pátio da hoje CBTU, que já foi “The Great Western Of Brazil Railway Company Limited” no século XIX e, depois, Estrada de Ferro Sampaio Correia, no século XX. Confesso que todas as manhãs e tardes em que desembarco na Estação Ribeira, sinto-me num cortejo, fazendo velório àqueles vagões preciosos, mas abandonados, que não merecem esse fim.

Hoje, temos o moderno e confortável “Veículo Leve Sobre Trilhos”, que deveria ser VLST, mas resumiram para VLT. Entendo que o descarte dos velhos vagões não pode acontecer dessa forma. Mas que tivessem um destino tão nobre quanto foi a sua missão original de levar e trazer pessoas. São peças velhas, de fato, porém intactas, carecendo apenas de um tratamento e pintura. 

Teatro Municipal Paulo Barbosa da Silva
 
Aquele cenário de vagões antigos renegado, invisível para muitos, me incomoda demais. É um grito de desprezo à história e à memória do Rio Grande do Norte. Tais composições, tão cheias de possibilidades de reutilização, estão ali, ou melhor, jazem ali, forradas pelo relento, entregues às intempéries das chuvas, do vento e do sol escaldante de Natal. Isso nos fere grandemente, pois se trata de um patrimônio que, restaurado, agrega valor histórico-cultural a qualquer espaço.

Assistindo diariamente a esse abandono, tive um insight e cheguei a conversar com Henrille, amigo da minha família, da equipe de gestão da CBTU. Perguntei-lhe se seria possível a doação de algumas daquelas composições, pois pensei em conversar com autoridades e amigos de Parnamirim com o objetivo de propor um projeto que transformasse esses vagões num ambiente que abrigasse literatura, história e memória. Nele seriam acomodados uma biblioteca infanto-juvenil e um mini-museu sobre a memória ferroviária de Parnamirim, tendo em vista que o município ignora – ou ainda não se apercebeu – dessa página tão importante de sua história.

A proposta que apresento é que esses vagões sejam reformados e adaptados em trilhos instalados na lateral do Parque Municipal Aluízio Alves, onde se encontram o  Teatro Municipal de Parnamirim e o Planetário. A anexação do novo equipamento ampliaria a relevância desse complexo cultural. Embora não é o único local adequado, mas há muitas possibilidades.

Antiga estação ferroviária de Parnamirim. Embora não seja a primeira, remonta a década de 80, época em que foi demolida.

A Prefeitura Municipal de Parnamirim tem condições de instrumentalizar – através da Fundação Parnamirim de Cultura – os esforços necessários para realizar um projeto urbanístico, arquitetônico e paisagístico para ambientar tal equipamento. Mas não seria apenas os vagões isoladamente. A ideia é anexar uma réplica da antiga locomotiva “Catita”, feita em fibra de vidro na dianteira da composição, completando a ideia de um trem completo. Esse equipamento simbolizaria o respeito ao passado -  através da “Catita”, da Galeria de fotografias e do micro-museu – e o presente, através do universo literário traduzido pela moderna biblioteca infanto-juvenil.

Catita nº 3, exposta na CEFET das Rocas, em Natal.

A Fundação Parnamirim de Cultura conta com mais de quinhentos alunos matriculados nas oficinas de Dança. Noventa por cento são crianças. A Escola de Música Epitácio Leopoldino conta com quase mil alunos, e um percentual considerável é de crianças, somando um público infanto-juvenil grandioso para se servir dessa biblioteca, cujo acervo, além de Literatura Infanto-juvenil, abrangeria obras voltadas para Dança e Música. Vale ressaltar que o vagão de História e Memória seria um espaço voltado para o povo em geral, independente de idade, afinal viajar no tempo é para todos. Esse novo equipamento  agregaria valor ao parque e consistiria num local de sociabilidade, sem contar o seu caráter inédito, o seu diferencial...

Imagem ilustrativa do interior de uma biblioteca  infanto-juvenil em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
 
Sempre observei que, em termos da História de Parnamirim, fomos acostumados a ver os holofotes jogados sobre a o prenúncio da aviação, no contexto dos aviadores pioneiros que aqui aterrissaram nos primórdios do século XX, e depois, na chegada dos militares norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, no início da construção da Base Aérea. Esses dois recortes históricos são de uma relevância histórica ímpar, que por si projetam Parnamirim no cenário mundial, mas a História e a Memória Ferroviária de Parnamirim é o terceiro recorte histórico, tão rico e importante quanto, e não pode ser subestimado - ou esquecido. Digam-me onde alguém escreveu ou programou alguma política cultural voltada para a memória ferroviária parnamirinense? É um assunto invisível. Eis, pois o monumento faltante. É só começar.

Sabemos que no século XIX, muito antes de essa área geográfica se configurar como município de Parnamirim -- quando era um povoado pincelado por meia dúzia de barracos de palha e taipa, onde se espraiavam areias alvas e um tabuleiro de alecrins, matas e arbustos quando foi inaugurada a estrada de ferro unindo Natal a Nova Cruz –, essa região foi cortada pelos trilhos da “The Great Western Of Brazil Railway Company Limited”, inaugurada em 1881, e contava com duas estações.

Antiga estação ferroviária de Parnamirim. Embora não seja a primeira, remonta a década de 80, época em que foi demolida.


Com esse projeto a Fundação Parnamirim de Cultura disponibilizará um equipamento que reunirá num só espaço: História, Memória, Literatura e Turismo, integrando, de forma singular, um dos cartões postais do município. Para o vagão com o tema "História e Memória" a proposta é uma galeria com réplicas de fotografias antigas significativas sobre a História do Município, com destaque para imagens relacionadas à Memória Ferroviária de Parnamirim, e um micro acervo de peças antigas que pertenceram à referida estrada de ferro, doadas por populares que porventura as possuam mediante um projeto para levantamento. Uma parte dessa galeria exibiria fotografias de ex-ferroviários parnamirinenses, cujos filhos e netos com certeza, possuem fotografias e até mesmo determinados objetos.

Esse equipamento singular é de grande relevância para o município de Parnamirim, consistindo num bem turístico de grande projeção. Além da nobreza de sua significação, soma-se a sua beleza visual, pois o projeto paisagístico contemplaria postes e luminárias de época dentre outros elementos que nos transportasse no tempo.

A locomoção dos vagões se daria mediante uma parceria da Prefeitura de Parnamirim com o Batalhão de Infantaria Motorizada do Exército de Natal, ou a Marinha, considerando que esses órgãos possuem veículos grandes e guindastes. Inicialmente os vagões seriam removidos para um espaço onde se daria a sua restauração, e depois seria afixado sob trilhos no seu local definitivo.

Os únicos registros existentes de uma das versões antigas da Estação Ferroviária de Parnamirim (essa provavelmente construída na década de 40) pertence a pessoas particulares, que se fizeram fotografar ao lado do prédio e acabaram ajudando a História.

E nada mais justo que, como gratidão à CBTU, e como marco do registro dessa preciosa doação, no ato de sua inauguração instalaria-se no local uma placa de bronze com as informações pertinentes relacionadas a CBTU.

Creio que tal iniciativa impactaria muito o cenário parnamirinense, servindo de referência para outros municípios com memória ferroviária, como Nísia Floresta (antiga Papary), São José de Mipibu, Canguaretama, Goianinha, Nova Cruz e outros.

Fica a ideia. O nome do equipamento, acima, é só uma sugestão, como também "Ferrovia Histórico-Literária", "Trem da Memória e Literatura", enfim... mas o mais valioso hoje é torcer para que homens e mulheres do poder também enxerguem essa ideia com olhos visionários. L. C. Freire - 28 de dezembro de 2018.


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