Eulina Aguiar, hoje com 83 anos, nasceu no dia 6 de agosto de 1936, na localidade de Japecanga, na porção pertencente ao município de São José de Mipibu, no Rio Grande do Norte. No entanto, seus pais a registraram como nascida em 1932, a fim de antecipar sua idade para que pudesse votar mais cedo. Essa foi a explicação que ela mesma me deu. Sua irmã, Raimunda Nonata Aguiar, veio ao mundo no mesmo local, no dia 6 de março de 1927.
Ambas são filhas do senhor Luís Vitorino de Aguiar, herdeiro de um engenho de rapadura e mel de cana, legado deixado por seu pai. A produção era destinada integralmente a São José de Mipibu. Homem honrado e generoso, Luís Vitorino sustentava sua família dignamente. No entanto, enfrentou tempos difíceis e acabou por perder tudo ao assumir dívidas alheias, pois fora fiador de muitas pessoas que, inadimplentes, deixaram-no com um fardo insustentável. Com a falência do engenho, passou a dedicar-se à agricultura em Japecanga, tentando prover o sustento da família.
Com o passar dos anos, as condições de vida se tornaram cada vez mais desafiadoras. A família sobrevivia do que plantava, mas nem sempre as colheitas eram abundantes. Diante desse cenário, Judite, filha do casal, propôs que abandonassem aquela terra em busca de melhores oportunidades. Seu pai, após refletir sobre a sugestão, aceitou. Assim, partiram para Parnamirim, onde se estabeleceram no bairro de Passagem de Areia, que, à época, não passava de um descampado cercado por mata, com menos de dez casas.
Na nova morada, as oportunidades de trabalho eram escassas. Sem alternativas além da agricultura, muitas mulheres da região se dedicavam à lavagem de roupas para famílias mais abastadas, um serviço realizado às margens do rio Pitimbu, cujas águas, então cristalinas e piscosas, tornavam a tarefa menos árdua.
Desde muito jovem, Judite alimentava o sonho de ser professora. Embora fosse uma aspiração plausível, parecia um objetivo distante, dado que Parnamirim, ainda um distrito de Natal, carecia de infraestrutura e de atenção por parte das autoridades. Inteligente e aplicada, ela já havia frequentado a escola e sempre se destacara entre os colegas. No entanto, precisava aprofundar seus estudos para transformar seu desejo em realidade.
Foi então que surgiu uma oportunidade singular. Joaquim Ferreira de Aguiar, tio materno de Judite e tenente do Exército, convidou-a para estudar no Rio de Janeiro. Com apenas 15 anos, ela aceitou o desafio, ciente de que essa experiência seria um passo decisivo rumo ao seu objetivo.
Eulina, então com apenas quatro anos, guarda uma lembrança vívida desse momento marcante. “Apesar da pouca idade, lembro-me como se fosse hoje. Minha mãe e eu a acompanhamos até o cais do porto. Vi aquele navio partir, apitando, ficando pequeno até desaparecer no horizonte.”
Judite permaneceu no Rio de Janeiro até concluir sua formação. Como seu propósito sempre fora estudar, assim que obteve o diploma, retornou ao Rio Grande do Norte. A viagem de volta foi longa: embarcou em um navio até Recife, de lá pegou um trem para Natal e, posteriormente, seguiu até Macaíba, onde seu pai a aguardava com dois cavalos, um para ele e outro para que ela pudesse cavalgar até Passagem de Areia. Sua chegada, no início da década de 1950, foi motivo de grande celebração.
Diplomada, Judite estava determinada a iniciar sua trajetória profissional. Seu maior desejo era lecionar. Certa manhã, tomou uma decisão inabalável: iria até Natal e só retornaria com uma solução. Determinada, afirmou que só voltaria depois de falar com o prefeito. Saiu cedo, com passos firmes, e fez valer sua palavra.
Sua postura confiante e seu diploma conquistado na então capital do país abriram-lhe as portas. Ela conseguiu uma audiência direta com Djalma Maranhão, o então prefeito de Natal, conhecido por suas inclinações comunistas e seu compromisso com a educação. Impressionado com a jovem professora, o prefeito prontamente a nomeou para lecionar em Passagem de Areia. Foi uma vitória extraordinária.
Judite Aguiar tornou-se a primeira professora do bairro, deixando um legado tão significativo que seu nome foi eternizado em uma escola local e em uma creche no bairro Bela Vista.
Suas irmãs, Eulina e Raimunda, guardam com orgulho essa memória. Eulina, por sua vez, construiu sua própria família e teve três filhos: Antônio Marques Aguiar (in memoriam), que trabalhou como porteiro na “Casa da Mamãe Feliz”; Francisco Canindé Aguiar, funcionário da maternidade de Parnamirim; e Márcio de Aguiar Nunes, agente de saúde na Unidade de Saúde de Passagem de Areia.
A história de Judite Aguiar é a de uma mulher determinada, que venceu desafios e marcou a história de sua comunidade por meio da educação—a arma mais poderosa para transformar vidas. L.C.Frei - 2019
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